domingo, 25 de maio de 2008

Votorantim e Suzano disputam o controle da Aracruz

Crônica de uma briga anunciada

| 15.05.2008

Votorantim e Suzano disputam o controle da Aracruz — em jogo, a criação de um gigante global de celulose

Werner Rudhart / Kino.com.br

Floresta da Aracruz: custo menor, maior eficiência

Por Daniella Camargos

EXAME

Poucos temas ganharam tanta ressonância no ambiente de negócios brasileiro recentemente quanto a formação de “multinacionais verde-amarelas”. Nos últimos anos, empresas brasileiras ensimesmadas e acomodadas ao potencial do mercado nacional decidiram ganhar musculatura para, então, atravessar fronteiras. Mais do que mera ambição empresarial e da eventual vontade de governos, o que moveu várias dessas corporações foi o desejo de sobrevivência no longo prazo. Uma sobrevivência garantida, sobretudo, pela escala. É esse também o grande motor por trás da formação de uma nova multinacional brasileira e da disputa entre dois grandes grupos nacionais — o Suzano e o Votorantim. O alvo é a Aracruz, maior fabricante de celulose do país.

Há duas décadas, a Aracruz é regida por um acordo de acionistas entre as famílias Safra e Lorentzen, ao qual a Votorantim aderiu ao comprar uma participação na companhia, em 2001. Nos últimos anos, todos os envolvidos aguardaram com ansiedade o dia 11 de maio de 2008, quando esse acordo expiraria e os sócios da Aracruz negociariam um novo contrato. Na prática, o fim do acordo significaria uma abertura ao redesenho de todo o setor e colocaria a Aracruz na mira da sócia Votorantim e da concorrente Suzano. Pois esse dia chegou — e a disputa começou. “O término do acordo de acionistas da Aracruz será o pontapé inicial para a consolidação do mercado brasileiro de papel e celulose”, diz Sérgio Amoroso, presidente do Grupo Orsa, uma das empresas do setor. “Quem ganhar vai se tornar líder mundial absoluto desse mercado.”

Os quatro grupos envolvidos nas negociações — de dentro e de fora da empresa — passaram os últimos meses escolhendo suas estratégias de ação. Cada um deles já definiu os bancos de investimento que irão assessorá-los na transação. A Votorantim contratou o banqueiro Pércio de Souza, da Estáter. A Suzano optou pela Signatura Lazard. A família Safra escolheu o banco americano JPMorgan. E o clã Lorentzen deu o mandato ao Credit Suisse. Até agora, cada grupo definiu sua estratégia de negociação em conversas com seus assessores financeiros. Com o fim do acordo, começou a segunda fase do processo, na qual os quatro vão negociar o futuro da Aracruz e do mercado brasileiro de papel e celulose. No dia 12, sob a expectativa de troca de controle, as ações da Aracruz tiveram valorização de quase 6%, a maior da bolsa paulista.

Banqueiros de investimento costumam dizer que só têm certeza de que uma fusão vai dar certo duas semanas após seu anúncio oficial. Isso dá uma medida da complexidade de um tipo de transação que muda radicalmente as empresas envolvidas — o risco de dar errado é muito maior que a chance de dar certo. No caso da negociação envolvendo a Aracruz, porém, a complexidade é ainda maior. Isso porque envolve quatro grupos tradicionalíssimos e com interesses radicalmente diferentes uns dos outros. Os protagonistas podem ser separados em dois grupos. O primeiro inclui Suzano e Votorantim, os consolidadores. Ambos pretendem patrocinar uma fusão entre Aracruz e suas operações de papel e celulose. O segundo grupo, formado pelas famílias Safra e Lorentzen, é o dos cortejados. Juntos, eles somam mais de 51% do controle da Aracruz, e qualquer fusão precisa ser aprovada por eles.

Para a Votorantim, a oportunidade que se abre é única, pois se encaixa à perfeição na estratégia do grupo da família Ermírio de Moraes no setor. Recentemente, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) anunciou a intenção de deixar aos poucos o mercado de papel para concentrar-se em celulose. “Para a Votorantim, essa é uma questão de honra”, diz um banqueiro de investimento que participa das conversas. A empresa resultante de uma eventual fusão entre VCP e Aracruz teria faturamento de 6,2 bilhões de reais, capacidade de produção de 13,5 milhões de toneladas (incluindo as expansões previstas) e valor de mercado de aproximadamente 20 bilhões de reais. Vontade de crescer nesse setor a família Ermírio de Moraes já demonstrou que tem. O exemplo mais recente é, justamente, a entrada no bloco de controle da Aracruz. Em 2001, o grupo adquiriu as ações da Anglo American e deixou clara sua intenção de criar uma companhia global. Como não foram ouvidos, os outros sócios da Aracruz viram no movimento da Votorantim um lance hostil. Isso fez com que se defendessem: Safra e Lorentzen fizeram um acordo separado, estabelecendo que, se um deles decidisse vender suas ações, teria de oferecê-las antes ao outro. A agressividade da VCP criou também um clima de desconfiança entre os funcionários da Aracruz, que se referem à empresa dos Ermírio de Moraes como “o polvo”. Por isso, afirmam executivos a par das conversas, não faz sentido imaginar que a Votorantim entra como favorita absoluta na revisão do acordo. O grupo Suzano, presidido por David Feffer, encontra motivações semelhantes para fazer um movimento agressivo pela Aracruz. Com quase 3 bilhões de reais em caixa após a venda de sua petroquímica à Petrobras, os Feffer planejam unir Aracruz e Suzano e, assim, diluir a participação da Votorantim no capital. “Meu objetivo sempre foi criar valor para a Suzano e prepará-la para uma futura consolidação do setor”, diz Antônio Maciel Neto, presidente da Suzano Papel e Celulose.





















O maior desafio de Suzano e Votorantim será cortejar Lorentzen e Safra. É consenso entre os executivos do setor que a família Safra dificilmente venderia sua participação na empresa. Os Lorentzen, por outro lado, seriam mais flexíveis. Segundo EXAME apurou, porém, o objetivo inicial dos dois é o mesmo: trocar suas ações por uma participação no bloco de controle da empresa resultante da fusão entre Aracruz e um dos pretendentes. O objetivo da dupla é permanecer no setor e participar dos ganhos esperados com a criação de um gigante mundial de celulose. “Tendo em vista o potencial desse mercado, só um louco venderia sua participação na Aracruz agora”, diz Rafael Biderman, analista do Bradesco. A chave, aqui, é saber quem estaria disposto a oferecer uma participação maior na nova empresa. Para acirrar a disputa, os assessores financeiros de Safra e Lorentzen convidarão outras empresas a participar do processo, entre elas a finlandesa Stora Enso.

A Aracruz é a jóia da coroa do setor de papel e celulose no mundo. Transformou-se, nos últimos 30 anos, na maior fornecedora de celulose para a indústria de produção de papel. Trata-se de um setor em que o Brasil tem evidentes vantagens comparado a outros países. A maior delas é o baixo custo de produção local. As condições climáticas favorecem a plantação de eucalipto e tornam as florestas muito mais produtivas por aqui. No Brasil, o ciclo de corte da floresta é de sete anos, ante mais de 20 no exterior. Além das vantagens gerais do Brasil, a Aracruz tem vantagens específicas. A principal delas é a proximidade entre sua principal fábrica e a floresta, de aproximadamente 50 quilômetros. A distância entre as fábricas e as plantações de Suzano e VCP é superior a 100 quilômetros. O baixo custo de transporte, portanto, torna a Aracruz mais eficiente que suas concorrentes.

Os principais produtores mundiais estão ajudando a Aracruz a se tornar cada vez mais estratégica no tabuleiro global. A Indonésia, principal concorrente do Brasil entre os países emergentes, tem tomado medidas contra o desmatamento de floresta nativa e o embarque ilegal de madeira. Isso restringe a capacidade de suprimento de madeira para a produção de celulose na Indonésia e pressiona os custos de produção. A Rússia, grande fornecedora de madeira para a Europa, aumentou de 15 para 50 euros por metro cúbico suas tarifas de exportação para incentivar investimentos no país. A medida afetará diretamente os produtores de celulose dos países nórdicos, como a Finlândia, que importa da Rússia 80% da madeira usada na produção de celulose. “Fábricas ineficientes serão fechadas na região, desencadeando o anúncio de novos projetos em países que possuem vantagens competitivas, como o Brasil”, afirma Marcos Paulo Pereira, analista do banco Fator. O cenário mundial conspira para a criação de uma força global brasileira na área de celulose. Resta saber quem estará à frente dessa empresa.