domingo, 25 de maio de 2008

MIneração

A Inco virou problema

Festejada como o grande passo da Vale fora do Brasil, a mineradora canadense era fonte de lucros recordes -- mas se tornou a maior responsável pela queda nos resultados da companhia em 2008

Werner Rudhart/Kino.com.br
Mina da Vale em Carajás: queda de 55% nos lucros
A compra da mineradora canadense Inco, segunda maior produtora mundial de níquel, em outubro de 2006, foi celebrada pelos executivos da Vale como símbolo da grande virada estratégica da companhia brasileira. De um só golpe, a empresa atingia duas metas: a internacionalização da operação e a diversificação de seu portfólio de produtos, no qual o minério de ferro imperava absoluto. A operação custou 13 bilhões de dólares à Vale e, nos seis meses seguintes à aquisição, a Inco provou-se uma inesgotável fonte de boas notícias. Com ela, a Vale passou da quarta para a segunda posição entre as maiores mineradoras do mundo. Suas ações se valorizaram mais de 60% no período. Graças, em grande parte, à Inco, a Vale terminou o ano de 2007 com lucro recorde de 11,8 bilhões de dólares -- um terço dele originado das operações no Canadá. Mas, se existe uma premissa que não pode ser desprezada no universo da mineração, é que, no mercado de commodities, os preços variam, e muito. A forte queda no preço do níquel registrada nos últimos doze meses, em torno de 40%, foi um dos pivôs da redução de 55% nos lucros da Vale no primeiro trimestre deste ano. Antes festejada como um grande trunfo, a Inco acabou se transformando num problema. Segundo o último relatório com os resultados da companhia, a queda nos lucros é "conseqüência principalmente da redução do lucro operacional... em virtude de preços médios mais baixos... do níquel e do alumínio".

O que chama a atenção, no caso do níquel, é a velocidade com que o mercado passou da euforia à depressão. Logo após a aquisição da Inco, a cotação do minério na bolsa de Londres subiu de 30 000 dólares para mais de 54 000 dólares a tonelada, a maior da história. Essa repentina valorização foi a principal responsável pelo lucro recorde da Vale nos dois primeiros trimestres do ano passado, em torno de 5 bilhões de reais. Por trás dessa disparada está a crescente demanda chinesa. A indústria de aço inoxidável da China, que tem no níquel sua principal matéria-prima, aumentou a produção em 12% no ano passado. O problema é que a oferta não cresceu no mesmo ritmo. Atrasos na ampliação da produção da própria Vale na Nova Caledônia e da BHP Billiton na Austrália fizeram com que os níveis mundiais de estoque do minério ficassem em apenas três dias, quando o normal é que eles durem de três a quatro semanas. O descompasso entre a oferta e a demanda levou os preços a patamares históricos, beneficiando grandes produtores, como a Inco. Apesar de manter o mesmo volume de produção, em torno de 250 000 toneladas por ano, a receita da Vale com o níquel passou de 5 bilhões para quase 20 bilhões de dólares em 2007.

FOI QUANDO O CENARIO começou a mudar. Se por um lado a indústria chinesa de aço inoxidável contribuiu para o aumento de preços no início do ano passado, por outro ela também teve participação importante na ressaca que se seguiu. Diante da alta dos preços, muitos compradores chineses passaram a trocar o níquel tradicional por um substituto extraído de outro minério, a laterita. Essa substituição -- aliada à normalização da produção das grandes mineradoras -- permitiu que os estoques mundiais de níquel voltassem rapidamente aos níveis normais. Como conseqüência, o preço do minério despencou. De acordo com os analistas, a situação deve seguir mais ou menos estável ao longo de 2008. A previsão é de que a demanda chinesa permaneça estagnada, ao passo que a oferta mundial de níquel terá um aumento de aproximadamente 5%, segundo o Deutsche Bank. Para a Vale, a normalização da situação trouxe um choque de realidade. Longe dos efeitos do boom nos preços, a receita com a Inco neste ano deve ser 15% inferior à registrada em 2007. "A Inco não foi um mau negócio, já que o preço do níquel ainda está maior que na época da aquisição", afirma Paschoal Paione, analista de mineração da Quest Investimentos. "Mas deixou de ser a festa do ano passado."

Longe de ser uma questão pontual, restrita aos resultados do primeiro trimestre, a volatilidade do preço do níquel verificada nos últimos 12 meses já começa a causar reflexos em outros indicadores da Vale, sobretudo no mercado de capitais. Como um quarto da receita da empresa está atrelado às vendas de níquel, suas ações têm sido negociadas com um desconto de aproximadamente 30% em relação a outras grandes mineradoras, situação que deve se perpetuar até o final deste ano. O valor de mercado da companhia brasileira na bolsa equivale a 7,4 vezes sua geração de caixa. Em suas principais concorrentes, a britânica Rio Tinto e a anglo-australiana BHP Billiton, esse índice é de 9,9. A explicação para essa diferença entre as companhias está no portfólio de produtos que elas oferecem. Em vez de níquel, essas mineradoras apostaram em produtos como cobre e carvão, cujos preços não param de subir. Só neste ano, o cobre valorizou-se 27%. O carvão, outros 200%.

Apesar da queda nos resultados do primeiro trimestre, os analistas continuam otimistas em relação ao desempenho da Vale ao longo de 2008. Um recente relatório elaborado pelo banco de investimento Credit Suisse aponta para uma expansão de 35% na receita da companhia neste ano, algo em torno de 43 bilhões de dólares. O lucro líquido, que já foi recorde em 2007, deve ser ainda maior em 2008: 16 bilhões de dólares. Mas, diferentemente do que ocorreu no ano passado, a Inco não será a grande vedete desse crescimento -- mas, sim, o bom e velho minério de ferro, que responde por quase 40% da receita da Vale. Só neste ano, o preço do minério aumentou 65%, e estima-se que subirá outros 20% até dezembro. "O aumento da receita com minério de ferro vai mais do que compensar as perdas com o níquel", afirma Felipe Reis, analista de mineração do banco Santander. À Inco, portanto, restará o papel de coadjuvante -- pelo menos até que a gangorra do níquel volte a jogar a favor da Vale.