segunda-feira, 12 de maio de 2008

Custo Brasil é o maior aliado da China contra o país

Para explorar de forma positiva o crescente intercâmbio comercial com os chineses, os brasileiros precisam enfrentar suas deficiências estruturais


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Por Angela Pimenta
EXAME

As relações comerciais entre o Brasil e a China tendem a se aprofundar nos próximos anos e, se o país não quiser registrar crescentes déficits comerciais com este parceiro, precisará enfrentar o seu maior problema - o "custo Brasil" - expressão que engloba todas as deficiências estruturais que comprometem a competitividade das empresas nacionais. A avaliação é de Riordan Roett, brasilianista e diretor do departamento de Estudos do Hemisfério Ocidental da Universidade de Johns Hopkins. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Portal EXAME:

Portal EXAME – Como as relações comerciais entre Brasil e China vão evoluir nos próximos anos?

Riordan Roett – Elas serão cada vez mais estratégicas e importantes para os dois países. A China já é uma potência global e à medida que o Brasil se afirmar como um verdadeiro BRICs, seu papel no comércio internacional também vai crescer.

Qual é o risco de um grande desaquecimento da economia chinesa afetar o preço das commodities brasileiras?

Roett – Não creio que a China vá sofrer uma desaceleração abrupta. Os chineses estão aprendendo a ter um “pouso suave.” Ao invés de crescer de 10% a 12% ao ano, a China vai passar a crescer de 7% a 8%, o que é muito bom. Logo, as commodities brasileiras continuarão em alta no mercado global.

Depois de anos de superávit comercial, o Brasil agora tem um déficit comercial com os chineses. Essa tendência vai se consolidar?

Roett – Possivelmente. Esse é um problema histórico para todos os países latino-americanos, que não conseguem se afastar da produção de matérias-primas. Hoje só os “tigres asiáticos” vendem produtos industrializados para a China. A indústria paulista tem sido particularmente prejudicada pelas exportações de produtos chineses de alta-tecnologia. Para virar o jogo, os brasileiros terão que ser mais competitivos, o que será um grande desafio.

Além de baixar o “custo Brasil”, o que mais deveríamos fazer para enfrentar os chineses?

Roett – Não tem saída. A resposta é o “custo Brasil”. O Brasil precisa de um mercado de trabalho flexível, um regime tributário moderno, investimentos enormes em infra-estrutura e educação. Vai chegar a hora em que um governo brasileiro terá que lidar com essas questões. Vocês estão numa bela posição financeira e devem conseguir o “investment grade.” Mas até agora nenhum governo brasileiro conseguiu convencer os políticos a fazer as reformas necessárias.

À medida que o comércio bilateral cresce, os atritos entre China e Brasil aumentam, a exemplo das relações entre China e os EUA. A história se repete?

Roett – Sim. O Brasil deve ser muito cuidadoso ao lidar com a China, que hoje claramente se vê como uma potência imperial. Estamos assistindo a um fenômeno histórico da China tomando o lugar dos Estados Unidos como o país mais importante do século XXI. Uma das conseqüências disso é que hoje a China é um parceiro cada vez mais assertivo, como não costumava ser no passado recente. Nós americanos estamos aprendendo a lidar com essa nova realidade – e países como o Brasil e a Índia também terão que aprender como fazê-lo para buscar termos mais favoráveis em suas relações.

O que o Brasil pode aprender com os EUA sobre os chineses?

Roett – Sinceramente, não temos muito a ensinar, pois nossas relações com a China são precárias. Existem muitas pressões no Congresso americano por sanções comerciais contra produtos chineses e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, tem mantido um diálogo estratégico com Pequim que ainda não deu em nada. Portanto, hoje os brasileiros têm mais a aprender com a própria China, cujas empresas como a Bao Steel e a Lenovo estão se tornando grandes players globais.