domingo, 25 de maio de 2008

Trégua -> Portugueses e espanhóis se entendem no conselho da Vivo

A trégua deu resultado

| 15.05.2008

Portugueses e espanhóis se entendem no conselho da Vivo — e a maior beneficiada é a empresa, que nunca lucrou tanto

Sergio Zacchi/Valor/Folha Imagem

Roberto Lima, da Vivo: aumento de 216% nos lucros

Por Carolina Meyer

Durante muitos anos, as reuniões do conselho de administração da Vivo, maior operadora de celulares do Brasil, se transformaram em campo de batalha. Discussões acerca do desempenho da empresa opunham seus dois principais sócios: os portugueses da Portugal Telecom e os espanhóis da Telefônica, cada um dono de 50% da empresa. Gritos e punhos cerrados sobre a mesa haviam se tornado rotina nos encontros. A preparação para o extenso combate geralmente tinha início um dia antes, quando executivos de lado a lado faziam devassas na companhia em busca de indícios que comprovassem erros de estratégia dos oponentes. Em julho, essa guerra tornou-se pública. Os espanhóis da Telefônica e os portugueses da PT declararam em jornais da Europa que estavam prestes a comprar a parte que cabia ao sócio. Nos últimos meses, no entanto, esse clima belicoso cedeu lugar a uma espécie de armistício. As reuniões, antes intermináveis, agora não duram mais do que 2 horas — e muitas vezes são realizadas por teleconferência. A gritaria entre portugueses e espanhóis foi substituída pelo tom conciliador do presidente da empresa, Roberto Lima. Artífice da trégua entre os dois controladores, o executivo, de 57 anos, hoje é consenso entre a Portugal Telecom e a Telefônica — algo que não ocorria desde a criação da Vivo, em 2003. “O clima que reina hoje no conselho é de harmonia”, afirmou a EXAME Shakhaf Wine, presidente da Portugal Telecom no Brasil e membro do conselho da Vivo.

Os resultados da trégua obtida por Roberto Lima na Vivo podem ser medidos pelos números exibidos pela companhia recentemente. Pelo quinto trimestre consecutivo, houve aumento na receita. Em relação ao primeiro trimestre do ano passado, ela cresceu 16%, para 4,6 bilhões de reais. O prejuízo registrado nos três primeiros meses de 2007 foi revertido. Neste ano, a Vivo registrou lucro líquido de 89 milhões de reais, 216% maior que o verificado no final do ano passado, período de fortes vendas impulsionadas pelo Natal. A base de clientes da empresa também reagiu, atingindo 34 milhões de celulares, o que garante a operadora na liderança de mercado, com participação de 27,3%. E, pela primeira vez desde 2006, o valor de mercado da Vivo superou o da TIM: 17 bilhões de reais. “O Roberto Lima tem feito um excelente trabalho à frente da Vivo”, diz Antônio Carlos Valente, presidente da Telefônica no Brasil. “Com números tão robustos, não é de admirar que não existam desentendimentos”, diz Wine, da Portugal Telecom no Brasil.

Apesar do atual prestígio, Lima já enfrentou momentos difíceis à frente da operadora. O executivo, que foi indicado pela Portugal Telecom, assumiu o comando da empresa em julho de 2005 em meio a sérios problemas com a clonagem de aparelhos. A fuga de clientes para operadoras que utilizavam tecnologia GSM, como Claro e TIM, estava drenando os lucros da Vivo. No final daquele ano, a operadora registrou prejuízo de mais de 400 milhões de reais. Para piorar, a Vivo ainda tinha de lidar com problemas operacionais. As cinco unidades regionais que formavam a companhia não funcionavam de maneira integrada. Havia problemas no sistema de roaming e na emissão de contas. Enquanto a ineficiência roubava a receita da companhia, os controladores gastavam boa parte do tempo se acusando mutuamente pelos maus resultados. Discussões estratégicas, como a migração para a tecnologia GSM, acabaram em segundo plano. Foi quando Lima deu um ultimato aos acionistas. “Ele foi bastante claro”, afirma um conselheiro que acompanhou o processo. “Ou eles se entendiam ou a companhia estaria perdida.”

O que se seguiu a essa conversa não saiu exatamente como Lima havia planejado. Portugueses e espanhóis decidiram, eles mesmos, colocar a mão na massa, atropelando todos os fundamentos da boa governança corporativa. Foi no período em que essa intervenção branca aconteceu, entre o final de 2005 e meados de 2006, que Lima desenvolveu o que é tido hoje como uma de suas principais qualidades: a habilidade de transitar, diplomaticamente, entre os controladores. O executivo tratou de mapear possíveis aliados para cada um de seus projetos. Assuntos relacionados à rede GSM eram discutidos prioritariamente com o espanhol Luis Miguel Gilpérez, homem forte da Telefônica na empresa. A aquisição da Telemig foi costurada em conversas com Wine, da Portugal Telecom, especialista em fusões e aquisições. E a necessidade de aquisição de freqüências no Nordeste foi acertada com o português Francisco Padinha, da PT. “As decisões passaram a ser tomadas de maneira mais ágil. Os projetos já chegavam à mesa de discussões com alto grau de detalhamento”, afirma um conselheiro da empresa.

Somente à medida que os resultados foram aparecendo é que Roberto Lima ganhou, de fato, espaço dentro da Vivo. Com o fim dos problemas com clonagem e a limpeza na base de clientes inativos, duas de suas principais bandeiras no comando da operadora, a perda de participação de mercado foi estancada — e a Vivo consolidou-se na liderança do setor. A implantação do GSM também ocorreu de maneira satisfatória. Atualmente, mais de 40% da base de clientes da Vivo utiliza tecnologia GSM. Como os aparelhos com essa tecnologia são mais baratos, estima-se que a economia com subsídios na Vivo chegue a 400 milhões de dólares por ano. A sucessão de boas notícias encontrou eco no exigente mercado de capitais. No último ano, as ações da Vivo subiram 30%, ao passo que os papéis da TIM, sua principal concorrente, caíram 20%. “Nossa intenção foi transformar uma empresa acostumada a vender celulares numa companhia de serviços”, disse Lima a EXAME.

Depois de colocar a casa em ordem, Roberto Lima ainda tem um duplo desafio à frente da empresa. O primeiro diz respeito ao próprio mercado de telecomunicações, que deve passar por alterações significativas até o final do ano. A adoção da portabilidade numérica e a chegada da Oi a São Paulo, principal mercado da Vivo, vão facilitar a migração de clientes para outras operadoras. Para minimizar essas perdas, a empresa precisa aumentar a sinergia com uma operação de telefonia fixa — é aí que se encontra o segundo grande desafio do executivo. A integração da operação móvel com a rede fixa, controlada pela Telefônica em São Paulo, é um dos últimos bastiões de resistência dos sócios portugueses. Receosos de ver seu poder diluído na Vivo, os executivos da PT têm se mostrado reticentes a qualquer aprofundamento nas relações entre as duas empresas. “Estamos longe de ter uma operação integrada, como ocorre na Oi”, afirma um executivo da Telefônica que prefere não ter seu nome revelado. Apesar dos obstáculos, que não são poucos, Lima segue firme em seu objetivo: sepultar, de uma vez, o Tratado de Tordesilhas. O primeiro passo já pode ter sido dado.