quinta-feira, 5 de junho de 2008

Expansão Naval - A dama do estaleiro

Jovem e bonita, Gisela Mac Laren tirou o estaleiro de sua família da lama. Agora ela tenta se destacar numa indústria naval em franca expansão

André Valentim


Gisela Mac Laren, dona do estaleiro Mac Laren Oil

Por Malu Gaspar

Mulheres em postos de comando ainda são exceção no ambiente empresarial brasileiro. Elas avançam, mas em ritmo lento — ou pelo menos mais lento do que gostariam. Em indústrias pesadas, como a naval, esse fosso se aprofunda. É por isso que a presença de Gisela Mac Laren continua a causar estranheza. Aos 40 anos de idade, a bela Gisela é hoje responsável por trazer de volta à tona um negócio criado há sete décadas por seu avô. Seu estaleiro, o Mac Laren Oil, está hoje entre os cotados para atender a parte da encomenda de 40 navios-sonda e plataformas semi-submersíveis que a Petrobras pretende construir para a exploração dos campos da camada pré-sal, a maior promessa de novas reservas de petróleo no mundo. Além disso, Gisela agora se prepara para iniciar as obras de um dos três primeiros diques secos do país (é nos diques secos que se constroem e se consertam plataformas, navios- plataforma e grandes petroleiros), um empreendimento de 160 milhões de reais.
Gisela Mac Laren,
dona do estaleiro Mac Laren Oil
Idade
40 anos
Família
Casada, dois filhos
Formação
Economia na Nova University, na Flórida
Carreira
Está no comando do estaleiro da família desde 2000
Maior desafio
Construir o primeiro dique seco da Região Sudeste. Para isso, serão necessários 160 milhões de reais. A obra servirá para produzir plataformas de petróleo semi-submersíveis, navios-plataforma e navios de apoio

O Mac Laren Oil é um dos negócios que começam a ressurgir, arrastados pela onda de recuperação da indústria naval brasileira. Gisela, por sua vez, faz parte de uma geração de empresários do setor que terão de provar que duras lições do passado foram aprendidas. Por décadas, os estaleiros brasileiros dependeram exclusivamente dos humores de governos. Protegidos e ignorantes quanto às leis mais básicas do mercado, afundaram na ineficiência e na incapacidade de competir globalmente.

As oportunidades do presente são incomparáveis. Graças à demanda recorde de estatais como Petrobras e Transpetro e a uma polêmica decisão do governo de incentivar o renascimento do setor naval, empresas como o Mac Laren Oil vêem o faturamento crescer em progressão geométrica. Até o ano passado, o Mac Laren Oil teve receitas de cerca de 50 milhões de dólares. Neste ano, suas receitas dobrarão. A meta é multiplicar o número atual por 10, para cerca de 500 milhões de dólares, em apenas quatro anos. O dique seco que Gisela vai construir em Niterói cumprirá uma etapa fundamental nesse plano. Para tirá-lo do papel, sua empresa associou-se ao Jurong Shipyard, de Cingapura, um dos maiores estaleiros do mundo, com faturamento de 3,3 bilhões de dólares. Pelo acordo, o Jurong fornece a tecnologia e o Mac Laren entra com as instalações para as obras, que serão concluídas até 2009. Quando estiver em plena atividade, o Mac Laren poderá contar com até 5 000 empregados e será capaz de construir plataformas semi-submersíveis e equipar navios-plataforma. Além disso, a parceria com o Jurong abre as portas do aquecido mercado internacional para Gisela — um retrato bem diferente do que ela encontrou ao assumir o estaleiro, há sete anos. “Ninguém acreditava que poderíamos voltar”, diz ela.

O Mac Laren já foi um dos maiores estaleiros do Brasil na década de 70, época em que o setor viveu seu auge. Na fase áurea, quando as encomendas de estatais fizeram do Brasil o segundo maior produtor de navios do mundo, o Mac Laren tinha 14 000 funcionários. Com o final da “ajuda” federal e a inflação galopante dos anos 80, toda a indústria naval foi à bancarrota — e o Mac Laren Oil minguou até ficar com apenas 30 empregados. Dos 15 grandes estaleiros que operavam naquele momento, só seis sobreviveram. Apesar de fazer parte do grupo de remanescentes, o Mac Laren passou toda a década de 90 mergulhado em dificuldades que o levaram à concordata. No início da década de 90, a família chegou a se mudar para uma casa pré-fabricada dentro do estaleiro para tentar administrar a crise. A situação ficou tão ruim que, para não fechar as portas, a empresa teve de aceitar um contrato de reforma de 25 000 orelhões para a operadora Telemar. Foi o fundo do poço — inclusive na vida pessoal dos Mac Laren. Mãe de dois filhos, Gisela havia sofrido ameaça de seqüestro e decidiu passar uma temporada de um ano nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, e com o desejo de fazer renascer o negócio da família, ela deparou com um cenário de desolação e desconfiança. “Eu não era sequer recebida na Petrobras”, diz ela.

De volta ao mar
Os números que mostram a recuperação do setor naval
Contratos assinados (em dólares)
2003 298,3 milhões
2005 316 milhões
2007 4,3 bilhões(1)
Empregos diretos (em milhares)
2003 7,5
2004 12,5
2005 14
2006 19
2007 40
(1) Efeito das encomendas da Transpetro Fontes: Fundo de Marinha Mercante e Sinaval

A partir do ano 2000, quando os primeiros grandes campos de petróleo entraram em operação, Gisela começou a ganhar contratos. O Mac Laren construiu os módulos de geração de energia das plataformas P-51, P-52, P-53 e os módulos de compressão da plataforma P-53. “No começo, as pessoas achavam que Gisela não entendia de indústria naval e não a levavam em consideração. Ela se impôs na base da teimosia”, diz o ex-secretário de Energia e Indústria Naval do estado do Rio Wagner Victer. A mostra mais contundente disso foi a visita de um político ligado a estaleiros (a empresária se recusa a dizer quem é) no final de 2004. “Ele disse que queria que eu saísse do negócio e perguntou quanto eu queria para ir cuidar da minha vida”, afirma Gisela. “Falei que não desistiria por nada.” Outra prova foram as negociações para a retomada da área alugada ao estaleiro Aker Promar, em 2004. Por mais de dois meses, Gisela e o presidente do estaleiro tentaram chegar a um acordo sobre o uso das instalações. Depois de reuniões tensas, que entraram pela madrugada, ela acabou conseguindo um acordo para obter de volta a área, em 2012. É lá que o Mac Laren pretende construir outro dique seco, ainda maior, para atender à demanda por sondas e navios-petroleiros da Petrobras.

Com a retomada do setor naval, Gisela Mac Laren não é mais a única estranha no ninho. Grandes empreiteiras, como Queiroz Galvão e Camargo Corrêa, e construtoras como a WTorre entraram no setor. As três estão envolvidas nos dois outros projetos de diques para a construção de grandes petroleiros no Brasil. Outra forasteira, a Odebrecht, também procura um estaleiro para comprar no Rio de Janeiro. O recente interesse pela indústria naval deve-se basicamente a dois fatores. O primeiro, já mencionado, a uma decisão de governo. Quando o presidente Lula assumiu, tornou obrigatória a compra de 80% de componentes nacionais em plataformas e navios pela Petrobras. (Recentemente, circularam informações de que a estatal teria se insurgido contra a decisão por entender que compras internacionais poderiam ser mais ágeis e baratas.) O segundo fator é o crescimento da economia e do aumento do comércio exterior. Nos últimos sete anos, a carga geral transportada no Brasil passou de 90 000 para 520 000 toneladas. Na área de apoio a atividades petrolíferas, a frota cresceu de 120 para 210 embarcações nos últimos cinco anos. Mas, para estudiosos da indústria naval, é no mercado internacional, especialmente no segmento de grandes navios-petroleiros, que estão as maiores oportunidades.

O problema é que os estaleiros nacionais mal conseguem dar conta da reserva de mercado que ganharam no Brasil. Na opinião de consultores e especialistas do setor, o investimento da indústria naval ainda está aquém do necessário não só para competir internacionalmente como até para atender às encomendas internas — que não param de acontecer. No último dia 26, a Transpetro anunciou que vai encomendar mais 23 navios, e a Petrobras, outros 146. “Atender a essas encomendas vai exigir um esforço muito grande de formação de pessoal, investimento em tecnologia e na própria cadeia produtiva. Até agora, com uma ou outra exceção, esses investimentos não foram feitos”, diz Floriano Pires, professor de engenharia naval da UFRJ. “Por causa disso, estamos perdendo uma chance no exterior também. Hoje, todos os estaleiros internacionais estão sobrecarregados.” É justamente essa janela de mercado que a herdeira do Mac Laren pretende aproveitar. “Abriu-se um momento mágico para a indústria naval brasileira e nós estamos prontos para aproveitar isso”, diz Gisela. Depois de se impor num mundo eminentemente masculino e fazer seu estaleiro renascer, Gisela parece determinada a atingir seu objetivo. Será que ela aprendeu a lição?